Em que democracia vivemos? – por António Gomes Marques

 

EM QUE DEMOCRACIA VIVEMOS?

por António Gomes Marques

 

I

Não, não vou começar a falar de democracia invocando o século de Péricles, invocando a civilização grega a quem a Civilização Ocidental tanto deve, como a maioria dos leitores que possa ter pensaria, embora mais à frente haja uma alusão a ela.

Desta vez, começo com a invocação da Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789-1791, onde se diz, no seu «Artigo primeiro: – Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum», princípio este que ninguém, posicione-se politicamente à direita ou à esquerda, ousará publicamente contestar.

Estes direitos do Homem resultam da doutrina dos direitos naturais, portanto válidos para quem pertencer à natureza humana. No entanto, convém dizer que a mulher só é referida num documento não oficial de 1791, da responsabilidade de Olympe de Gouges, que apresentou a Declaração dos Direitos da Mulher e a Cidadã.

Não vou historiar as várias versões que se seguiram, mas apenas lembrar que a Declaração de 1789 será parte da Constituição Francesa de 1946 e da Constituição Francesa de 1958, nem me deter a falar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que Stéphane Hessel, exemplo de democrata, teve papel preponderante ao participar na sua elaboração em 1948.

Mas não menos importante é o preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem, nomeadamente onde os representantes do povo francês consideram «que a ignorância, o esquecimento ou o menosprezo dos direitos do homem são as únicas causas das calamidades públicas e da corrupção dos governos», dizendo-se ainda nesse preâmbulo, antes de se passar à enunciação dos vários artigos, que «esta declaração, constantemente presente para todos os membros do corpo social, lhes recorde sem cessar os seus direitos e os seus deveres, a fim de que os actos do poder legislativo e do poder executivo, ao poder cotejar-se a cada instante com a finalidade de toda a instituição política, sejam mais respeitados e para que as reclamações dos cidadãos, (…), redundem sempre em benefício da manutenção da Constituição e da felicidade de todos.»

Não vou comentar, tão evidentemente fundamentais são os valores enunciados, se respeitados, para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Estou a aproximar-me do que hoje se vive em Portugal, mas antes tenho ainda algo mais a invocar e que é usual quando se fala de Democracia. Sim, é em Jean-Jacques Rousseau que penso, sempre referido nesta questão do que é a Democracia, normalmente citando o período com que ele termina o Cap. IV, do Livro III, da sua obra «Do Contrato Social» (Portugália Editora, Lisboa, Janeiro/1968, pág. 153): “Um povo de deuses, se existisse, governar-se-ia democraticamente. Um governo tão perfeito não convém aos homens.” Esta obra teve uma primeira versão em 1762, apreendida logo que chega a Ruão e condenada, juntamente com o «Emílio», pelo governo de Genebra.

Para Rousseau a democracia deve ser assumida directamente pelos cidadãos, ou seja, a concepção que nos apresenta em «Do Contrato Social» é uma verdadeira soberania popular, a quem compete fazer as leis, obrigando a um consenso na construção de um ideal igualitário, não admirando que tal apenas seja possível num «povo de deuses», bem diferente do mundo em que vivemos.

Com o 25 de Abril houve quem pensasse, os mais ingénuos, que a soberania popular estava ali ao nosso alcance. As ideias e o optimismo fizeram parte da nossa vida… até ao 25 de Novembro, ou seja, quando se soube que o destino da Revolução do 25 de Abril seria acordada entre os blocos que dominavam o Mundo. Evitou-se a guerra civil e uma intervenção à semelhança do que havia sido feito pela CIA no Chile, o que nos permite concluir que o bloco soviético estava interessado em África, particularmente em Angola, deixando Portugal no campo dos USA.

Ora a soberania popular exige participação de todos, possível graças à liberdade política que as sociedades modernas permitem, mas é bom lembrar que a liberdade exige também responsabilidade, sobretudo nos actos a que essa liberdade nos obriga, mas o que verificamos na sociedade em que vivemos é que a liberdade que possuímos não é mais do que uma liberdade política, traduzindo-se no que se afirmou em 1789-1791, que «Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos», que não passa de uma prerrogativa, direito(?), estéril. Ora, para o uso dessa liberdade torna-se necessário que cada um de nós tome consciência de que só seremos verdadeiramente livres se as condições em que vivemos não nos obrigarem a curvarmo-nos aos donos dos mercados financeiros que hoje dominam, donos esses que ninguém conhece e que, naturalmente, nunca serão eleitos nem o poderiam ser, assim como não estão nisso interessados, sobretudo quando sabem ter bastantes serventuários prontos a dar a cara e que nós, usando da nossa liberdade, vamos elegendo convencidos de que vivemos numa sociedade democrática, convencidos de que somos nós, os eleitores, quem escolhe os governantes. São estes serventuários que nós hoje conhecemos como a classe política, classe política esta que já nada tem a ver com a minoria que nos séculos imediatamente anteriores àquele em que vivemos assim era apelidada e que, de facto, era detentora do poder.

Não somos deuses, nem vivemos numa sociedade de deuses. Necessitamos de ganhar o pão de cada dia e, para o conseguir, a maioria dos cidadãos ocupa nisso praticamente todo o seu tempo livre, com a agravante de que se julga um homem livre quando apenas usufrui de uma independência física e, admitamos, às vezes também espiritual, convencendo-se (ou deixando-se convencer?) de que vive numa sociedade democrática, esquecendo-se de que não há liberdade sem pão, como também não há democracia sem a liberdade de poder dispor de si próprio, condição indispensável à constituição de um ser responsável, consciente dos seus direitos e dos direitos dos outros, que não pode deixar de respeitar.

A justificação que essa minoria encontrava e encontra para denegrir o conceito de democracia como soberania popular é a de que o povo é incapaz pela sua ignorância, conseguindo mesmo convencê-lo a nela votar usando a linguagem «democrática».

Os pilares de qualquer sociedade verdadeiramente livre e, portanto, democrática, são a educação, a ciência (incluindo nesta a tecnologia) e a cultura. Olhando o Mundo em que vivemos fácil é verificar a distância a que o nosso país se encontra de outros que à UE pertencem, nomeadamente os nórdicos, fundamentalmente graças a um sistema de educação e de desenvolvimento cultural que não acompanhamos. Sem cultura não há progresso, sem cultura não há capacidade para dizer sim ou não conscientemente, sem cultura não há capacidade para escolher. Nos últimos anos começamos a verificar que a tendência nos países nórdicos começa a querer trilhar caminhos perigosos, com a extrema direita a progredir de maneira acentuada.

Bem sei que o ser-se culto não significa estar sempre do lado dos mais desfavorecidos, bastando lembrar, por exemplo, o caso de Martin Heidegger, um dos homens mais cultos do seu tempo e que não deixou de se juntar aos nazis.

Ultimamente, verifico que há muitas pessoas que se colocam a questão de «o que é ser de esquerda?» e, nos vários debates em que tenho participado, nos muitos artigos que vou lendo e até em vários livros de autores que com esta questão se preocupam, muitas vezes sou levado a concluir que há muitas pessoas que abanam a cabeça a dizer sim, a dizer-se de esquerda mas que, na realidade, não têm a consciência real do que é ser de esquerda – se calhar nem eu! -, deixando-me a dúvida acerca do que as pessoas percepcionam/percepcionaram. Acabado o debate, a maioria vai para casa com a satisfação de ter participado em mais um acto de esquerda e talvez vá dormir descansada por ir convencida de já ter cumprido o seu dever.

Após o 25 de Abril pudemos verificar que havia uma maioria esmagadora que de esquerda se considerava e a situação que hoje vivemos é claramente demonstrativa de que as pessoas que tinham uma consciência real do que é ser de esquerda constituíam uma minoria. Hoje temos um governo de um partido que se diz socialista e que aplica as políticas do centro-direita, o que vai diminuindo a influência do partido que se diz social-democrata e que hoje é um partido claramente de direita. Com o surgimento de um partido mais à direita, a IL, e um outro de extrema-direita, o Chega, muitos dos apoiantes do PSD e do CDS deixaram cair a máscara e passaram-se para as fileiras destes novos partidos.

Nunca chamei ao 25 de Abril uma revolução, dado que para mim só há revolução quando se dá uma transformação qualitativa ao nível do consciente, transformação esta que não aconteceu na maioria da população portuguesa após a instauração da democracia. Hoje também me parece poder concluir que, com as práticas do PS, mais um mito caiu, mito esse que afirmava haver uma maioria de eleitores de esquerda em Portugal, o que não passa de uma categórica mentira.

Houve com o 25 de Abril a possibilidade de se dizer o que, praticamente, se quer, mas não há, julgo eu, a consciência de que a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro, não há uma consciência colectiva clara de bem, de mal, de história – quem somos, de onde viemos, para onde queremos ir -, não permitindo tomar consciência do mundo real em que vivemos e de que a realidade é possível de ser transformada pela acção conjunta dos homens. E essa acção conjunta também é a que permite a conquista da liberdade, acção essa que tem de ser permanente pois a liberdade, como a História da Humanidade bem o demonstra, nunca tem uma vitória definitiva. Adormece-se após o êxito de qualquer empresa que se tenha empreendido e, de repente, toma-se consciência de que já não se mantém nenhum dos valores fundamentais que podem contribuir para a harmonia entre os homens, para o gozo da felicidade a que todos têm direito.

Diz-se, habitualmente, que casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, e, de facto, sem pão para o dia a dia de que vale a liberdade? Mas sem pão e sem cultura, outra forma de pão, não há consciência de grupo e sem consciência de grupo caímos no salve-se quem puder, na defesa da migalha, abrindo caminho para a instalação do medo, como hoje se verifica na sociedade portuguesa e de que o governo Passos Coelho soube aproveitar-se, tentando iniciar um retrocesso civilizacional a antes do 25 de Abril de 1974, não respeitando os acordos de empresa sequer, livremente negociados pelas partes, não respeitando a Constituição, levando mesmo uma central sindical, naturalmente pensando que os patrões portugueses — sim, os patrões, dado que empresários há muito poucos em Portugal —, constituem um «reino de deuses», a assinar um acordo que acaba com os direitos, conquistados nos primeiros anos após o golpe do 25 de Abril, dos que trabalham por conta de outrem. A propaganda do PS diz ter revertido as medidas do governo anterior, servindo-se da reposição dos salários, o que é mais uma mentira a juntar a outras. Os governos de António Costa dão com uma mão o que tiram com a outra, assim enganando a maioria do povo português, quando na verdade a austeridade decretada por Bruxelas nunca deixou de ser aplicada pelos governos chamados socialistas. Onde está a democracia?

Se Jean-Jacques Rousseau agora aqui voltasse, morreria de ataque cardíaco!

Necessitamos urgentemente de democracia directa, mas para exercê-la necessitamos de levar o povo a conhecer o povo, para usar uma expressão utilizada aquando do movimento neo-realista, mas logo uma outra dificuldade se nos levanta e esta de monta: Que povo? Como defini-lo? Será uma entidade única ou múltipla? Pode-se ficar satisfeito dizendo que o povo é o conjunto da população explorada? Mas não haverá uma boa percentagem destes que vota sistematicamente na direita?

Pois é, lá voltamos de novo à questão da educação e da cultura. Hoje já não se diz que na sociedade portuguesa há uma grande percentagem de analfabetos porque a maioria destes já morreu e, entretanto, a democratização do ensino após o 25 de Abril muito contribuiu para a literacia dos portugueses; no entanto, quanto destes não são hoje capazes de entender, por exemplo, o editorial de um jornal?

Que fazer então para construir uma sociedade democrática neste nosso Portugal? E com quem?

Há uns largos tempos, o saudoso Carlos Loures propôs, para publicação no blogue «aviagemdosargonautas.net», que alguns de nós debatessem a democracia que se queria, particularmente para Portugal, o que se fez (o meu contributo está na primeira parte deste texto, com ligeiras alterações), tendo o Júlio Marques Mota dito, no seu texto, que «A rua é o caminho». Será? Ou bastará lutar por um programa mínimo para a Democracia, como propôs o nosso outro bloguista Paulo Ferreira da Cunha? Qual dos dois caminhos – e outros haverá, mais ou menos radicais e que não vou explicitar – se deve escolher? E com quem se pode contar para os tentar concretizar? Hoje, tendo consciência da realidade que se vive, nomeadamente em Portugal, sou tentado a afirmar que quem tinha razão era o Paulo Ferreira da Cunha, em que o tal programa mínimo poderia ser um primeiro passo, a que outros, depois, se seguiriam.

Lembro que da democracia directa tivemos apenas um arremedo nos primeiros tempos no pós-25 de Abril, a que se seguiu uma democracia mínima, mas até para esta se torna necessário que os chamados direitos de liberdade – direito de reunião, direito de associação, direito de opinião, … – estejam garantidos, o que no Portugal de hoje, com quase 20% da população a viver na pobreza mais extrema, não acontece.

Não tenho soluções, mas apenas dúvidas, mas não foi de dúvida em dúvida que se foi avançando na senda de algum progresso?

II

Bárbara Reis, no jornal Público do dia 1 de Outubro de 2022, invocou um dos autores que leio com atenção, o basco Daniel Innerarity, citando algumas passagens do seu livro Uma Teoria da Democracia Complexa – Governar no século XXI (editado em português pela Ideias de Ler, da Porto Editora, Abril de 2021), autor este que tenho indicado a alguns amigos por pensar que o filósofo nos ajuda a reflectir sobre democracia, situando-nos bem no centro do mundo em que vivemos, permitindo-nos também aprofundar os nossos deveres e os nossos direitos como cidadãos.

A jornalista do Público transcreve uma citação do filósofo basco: “A democracia não tem por objectivo alcançar a verdade (embora muitos cidadãos o pensem e muitos políticos o digam), mas sim decidir com a contribuição de toda a cidadania, com base em que ninguém tem um acesso privilegiado à objectividade que nos poupe o longo caminho da discussão pública”, logo acrescentando Bárbara Reis “Se for possível resumir numa linha: democracia é poder discutir.”

Um outro pensador, dos mais brilhantes actualmente, Amartya Sen, Prémio Nobel de Economia em 1998 (para além de outros prémios prestigiantes), escreve na sua obra «Escolha Coletiva e Bem-Estar Social» (Edições Almedina, Coimbra, Agosto de 2018), no novo prefácio de 2017, pág. 32:

“A regra da maioria tem, obviamente, muitos méritos bem conhecidos pelos teóricos políticos — e, de facto, para o público em geral. É, no entanto, importante reconhecer que, quando se trata de economia do bem-estar social, a decisão da maioria não é uma forma particularmente justa, nem mesmo plausível, de julgar as alternativas. Uma maioria de pessoas relativamente prósperas pode, em busca dos seus próprios interesses, subjugar uma minoria dos mais pobres e dos mais miseráveis. Seguir os vereditos da regra da maioria em casos como esses seria particularmente injusto.

Da mesma forma, a regra da maioria presta pouca atenção aos direitos das minorias e às liberdades individuais, e, dependendo se a natureza da agregação social é tomada em consideração, a regra da maioria pode ou não ser um procedimento de escolha social apropriado.”

Vasco de Magalhães-Vilhena, na sua obra «Platão e a Lenda Socrática» (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1998) escreve algo que muito me interessa para o que pretendo dizer (pág. 248):

“A diferença fundamental entre a democracia moderna e a democracia antiga escravista está em que nas democracias burguesas a soberania pertence formalmente ao povo, em que a fachada eleitoralista e parlamentar burguesa mascara a ditadura efectiva da burguesia.”

Feitas as referências, peguemos na frase de Bárbara Reis: “Se for possível resumir numa linha: democracia é poder discutir.” Vamos então fazer alguma discussão.

No passado dia 27 de Setembro foram retomados os Animados Almoços na Associação 25 de Abril, sendo convidado o Presidente da Assembleia da República. No final do almoço, como é tradição, deu-se a palavra ao convidado, a que se seguiram as questões colocadas por alguns dos presentes, sendo de lembrar que não deve confundir-se este colocar de questões com um debate com o convidado. Convém, no entanto, acrescentar que, neste tipo de sessões, seria difícil, para não dizer impossível, fazer melhor.

Ao que disse A. S. Silva não haverá muito a objectar, segue o guião de António Costa, naquele optimismo que parece irritar Marcelo; o problema é a distância entre o discurso e a prática governamental e o actual Presidente da A. República está também ali a pensar na concretização dos seus objectivos — ao que parece, sonha em suceder a Marcelo na ocupação do Palácio de Belém —, não podendo, portanto, contrariar o Secretário-Geral do PS, de cujo apoio dependerá em muito a sua eleição.

Aceitando que a democracia é poder discutir, facilmente se concluirá que nestes almoços não há uma verdadeira discussão, mas apenas a oportunidade de o convidado fazer a sua propaganda, mesmo que esta não traduza a realidade do país. Evidentemente, não deixei de colocar a minha questão.

Em conversas com economistas amigos, fiquei convencido de que o índice de pobreza vinha em aumento constante, agravado não só pela pandemia, mas também, e de forma mais perceptível, como consequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, tendo alguns daqueles economistas, nos seus cálculos mais pessimistas, chegado à conclusão de que cerca de 25% dos portugueses não tinham rendimento para garantir as três clássicas refeições diárias ao seu agregado familiar.

Coloquei a questão a A. S. Silva, tentando primeiro fazer o enquadramento, logo sendo interrompido por um dos presentes acusando-me de não estar a pôr uma questão, mas a fazer uma intervenção, logo intervindo Vasco Lourenço para dizer que estávamos na casa da democracia e da liberdade, onde não se cortava a palavra a ninguém, permitindo assim que eu retomasse o enquadramento e colocasse a questão. O presidente da A. República ficou a saber que terá pelo menos um apoiante para a concretização dos seus sonhos, tal foi a preocupação que aquele senhor mostrou ter com o que eu estava a dizer.

A resposta do convidado foi uma divagação sobre critérios de análise à pobreza de um país, para chegar à conclusão de que em Portugal essa percentagem andaria pelos 10/11%.

Conhece-se a facilidade de expressão de A. S. Silva, com passado de professor universitário e sociólogo, que diz continuar a ser, mas que há dezenas de anos não é mais do que um político que da política faz profissão. A demagogia nos políticos portugueses é a sua forma de vida, e este não foge à tradição.

Consultando a credível Pordata, temos:

 

 

Taxa de risco de pobreza: antes e após transferências sociais

Que percentagem de pessoas é considerada pobre, tendo em
conta ou não as pensões e outras transferências sociais recebidas?
Taxa – %
 

 

Taxa de risco de pobreza
Anos
Antes de qualquer transferência social
Após transferências relativas a pensões
Após transferências sociais
2013
47,8
26,7
19,5
2014
47,5
26,4
19,5
2015
46,1
25,0
19,0
2016
45,2
23,6
18,3
2017
43,7
22,7
17,3
2018
43,4
22,7
17,2
2019
42,4
21,9
16,2
2020
43,5
23,0
18,4
Fontes/Entidades: Eurostat (até 2000) | INE (a partir de 2001), PORDATA
Última actualização: 2022-08-05

Outras fontes poderiam ser aqui referidas, mas vou limitar-me a uma pequena transcrição de um texto de opinião do economista João Costa Pinto, publicado no jornal Público de 20 de Dezembro de 2022:

“2. No entanto, quando entramos na terceira década do século XXI estamos a discutir o significado de sermos ultrapassados pela Roménia — uma das mais pobres economias europeias — em termos de PIB per capita, medido em paridades de poder de compra (PPC). Assim como nos surpreendemos com o número de portugueses que sobrevivem com níveis de rendimento abaixo dos limiares de pobreza — quase dois milhões já depois das transferências e dos apoios do Estado Social.”

Claro que o caso da Roménia tem sido, à falta de melhor, utilizado por alguma oposição no Parlamento e nos órgãos de comunicação de forma oportunista e sem irem ao fundo da questão. Basta, no entanto, assinalar ser este país um paraíso fiscal, e, portanto, com os dados todos distorcidos, e não poder esquecer-se que se está a falar de PIB per capita, escondendo que a população na Roménia teve uma diminuição com algum significado.

Mas, lida aquela transcrição, particularmente a parte final, é caso para perguntar: em que mundo vive Augusto Santos Silva? Poderá ele concretizar o seu sonho de substituir Marcelo em Belém, mas não será com o meu voto!

Augusto Santos Silva, como professor universitário e sociólogo, poderá ser também apelidado de intelectual. Ora, um intelectual tem como primeira obrigação a procura da verdade, mas neste Presidente da Assembleia da República o que impera é o político, e, como tal, a procura da verdade não será a sua preocupação primeira.

Os órgãos de comunicação, nomeadamente o jornal Público, revelaram o que diz o relatório da Oxfam — Oxford Commite for Famine Relief (Comité de Oxford para Alívio da Fome), agora apenas referido como Oxfam, após o prestígio internacional que conquistou, relatório esse divulgado por este Comité, em Davos, onde decorre, desde o passado dia 16, o habitual Fórum Económico Mundial. E o que diz esse relatório? Que dois terços dos 42 triliões de dólares da riqueza criada desde 2020 ficaram nas mãos dos 1% mais ricos, o que faz com que os ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, tendo como resultado haver 1% da população mundial a ficar com 38% da riqueza existente no Mundo, ficando apenas 2% dessa riqueza para 50% da população. Portugal não foge a esta triste realidade.

Que têm feito os governos de António Costa para contrariar esta realidade? Não retenha o leitor os seus discursos e as várias declarações que todos os dias faz para os órgãos de comunicação, procure antes os dados que a realidade nos mostra, com as estatísticas oficiais a não conseguirem esconder essa realidade.

Ao falar de António Costa, sou de imediato remetido para a transcrição que acima faço da citada obra de Amartya Sen, para a injustiça cometida pelas chamadas maiorias.

A maioria absoluta conseguida por António Costa começa por ser discutível quando olhamos para a percentagem que lha deu no número de deputados eleitos: 41,37%, tendo a maioria absoluta sido conseguida graças ao Método de Hondt, que favorece os maiores partidos (no entanto e já agora, o CDS teve mais votos no país do que o PAN e o Livre e não elegeu nenhum deputado, contrariamente a estes dois partidos que elegeram um cada), mas a composição dos círculos eleitorais também não favorece a democracia, círculos eleitorais esses que continuam a ser os do regime salazarista. Nunca uma maioria absoluta tinha sido conseguida com tão baixa votação, o que mesmo assim não tem impedido a arrogância da generalidade dos dirigentes do PS.

Manifesta também tem sido a falta de respeito de António Costa pelas minorias. Há pouco tempo puderam os portugueses ouvi-lo dizer aos militantes do PS que os portugueses tinham dado a maioria absoluta ao seu partido— vimos a alta percentagem de votos que teve! — para cumprirem o programa que o partido tinha apresentado às eleições, ou seja, para António Costa qualquer proposta das minorias não serve ao país, nenhuma será melhor do que as constantes do programa do PS. Já não pretendo referir quantas dessas propostas o seu governo vai cumprir, realçando apenas que para o Secretário-Geral do PS as propostas das minorias não podem ser boas para o país, deverão, portanto, ser remetidas para o caixote do lixo. É esta a democracia do PS? É esta a democracia de que o país necessita?

Dito isto, só me resta invocar a afirmação de Vasco Magalhães-Vilhena, meu saudoso mestre e amigo:

“… nas democracias burguesas a soberania pertence formalmente ao povo, em que a fachada eleitoralista e parlamentar burguesa mascara a ditadura efectiva da burguesia.”

Portela (de Sacavém), 2023-01-18

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